Rivalidade e amor entre irmãos

Rivalidade e amor entre irmãos

Irmãos… o que dizer? Por um lado, é o melhor do mundo, uma relação sem igual, mas, às vezes, pode ser um pesadelo. Tanto se amam como se odeiam, tanto se abraçam como discutem e andam à bulha, tanto não conseguem estar uns sem os outros como não se podem ver … enfim, os conflitos fazem parte da vida com irmãos e é importante ser realista em relação às expectativas de harmonia familiar.

A qualidade da relação entre irmãos depende de muitos fatores, mas na generalidade dos casos, conflitos, discussões e bulhas fazem parte do processo normal de crescimento com irmãos e, apesar de incomodarem, podem trazer muitas aprendizagens importantes, desde aprender a lutar pelos seus direitos, a defender-se e expressar sentimentos, a partilhar, cooperar e negociar, a considerar a perspetiva dos outros, a ter noção do respeito pelo espaço e bens de cada um, e por aí fora.

O ciúme entre irmãos é frequente e natural, afinal tudo girava à volta deles, eram os únicos e não tinham de dividir a atenção com ninguém… Para uma criança (e sobretudo para as mais novas que ainda não se sabem expressar bem) pode ser difícil gerir este tipo de emoções e pensamentos, pode ser difícil compreender, expressar e controlar o que pensam e sentem e, por isso, podem manifestar-se essencialmente a nível comportamental, seja com comportamentos negativos, com birras, com comportamentos regressivos (ex. voltar a querer a chucha, querer colo, dormir com pais…), com maior dependência, com reações mais agressivas ou mais apatia…etc.

Para ajudar um filho a lidar com o ciúme e/ou a adaptar-se a esta nova realidade é preciso muita paciência, compreensão e apoio. É preciso também ter atenção a determinados comportamentos e atitudes dos próprios pais que, sem querer, podem dificultar este processo, desde começar a exigir mais do seu filho por ser o irmão mais velho, a dizer-lhe que tem de dar o exemplo, fazer comparações entre eles ou de sentimentos por eles (ex. “vou gostar sempre mais de ti”), passar a fazer sempre tudo todos juntos, desvalorizar, criticar ou punir os ciúmes, deixar para um dos pais todos os cuidados e rotinas com o mais velho (que antes eram feitas pelos dois pais), ou dizer que vai ficar tudo igual… A verdade é que nem sempre é fácil lidar com isso e nem sempre sabemos bem o que fazer perante os ciúmes, mas é importante ser compreensivo e permitir que a criança expresse o que sente sem culpa para que possa aprender a lidar com esta situação sabendo que tem o apoio dos pais nesse sentido. Como pais podemos tentar ajudar os nossos filhos a construir uma boa relação de irmãos. O que pode fazer então para ajudar?

  • Incluir o irmão mais velho na preparação das coisas para a chegada do irmão mais novo, desde a decoração do quarto, às compras para o bebé, etc. Pode inclui-lo também dando-lhe tarefas simples e ajustadas à idade (ex. ir buscar a fralda do irmão) e elogiando-o por ser uma boa ajuda.
  • Reservar um tempo de filho único para cada filho, mesmo que não seja muito será valorizado e especial para eles.
  • Quando fala com o bebé saliente a importância do irmão “que bom que é teres um irmão mais velho que nos ajuda e te pode ensinar tantas coisas”.
  • Promova a partilha usando palavras como mostra ou ensina, para aumentar a cooperação (ex. “aposto que sabes mostrar à tua irmã como se usa esse brinquedo” em vez de “dá já esse brinquedo à tua irmã”).
  • Ame cada um à sua maneira. Às vezes a tendência dos pais é fazer tudo igual ou dar tudo igual para ser justo, mas a verdade é que cada um tem as suas características e necessidades, os seus interesses e preferências, e dar uma resposta ajustada a cada um pode fazer que se sintam únicos e especiais.
  • Evite expressar e demonstrar favoritismos e respeite a individualidade dos seus filhos, cada um é como é, mostre orgulho e admiração pelas características individuais de cada um deles. Tente não fazer comparações entre irmãos nem colocar nenhum como modelo do outro.
  • Criar momentos em que o seu filho possa partilhar o que sente, e em que se sinta compreendido e apoiado “Sei que não temos passado tanto tempo juntos, imagino que por vezes seja mais difícil…”.
  • Conversem frequentemente dando espaço a que todas as opiniões sejam ouvidas, transmita que todos são diferentes e cada um tem os seus gostos, preferências e características. Ensine-os a ser solidários, respeitar as diferenças e dificuldades de casa um. Não deixar que gozem com as dificuldades/características dos outros.
  • Dê atenção a todos. Quando tem um filho que chama mais atenção que o outro (porque é mais ativo, extrovertido, mal comportado, talentoso, etc.) tente não deixar de estar atento ao mais sossegado.
  • Dar tarefas cooperativas, em que eles tenham de se unir e colaborar. Em momentos lúdicos e jogos incentivar os irmãos a ser uma equipa.
  • Dê-lhes espaço para gerirem e resolverem as discussões entre eles, tentando não tomar partidos. Ignore as discussões menores, desde que não se magoem física ou emocionalmente, mas intervenha se a segurança estiver em causa ou algo em risco de se partir.
  • Se vir que um dos seus filhos tem maior dificuldade em defender-se ajude-o a desenvolver essas competências. Aliás é importante ajudar todos a desenvolver competências de resolução de problemas que serão uteis para a vida no geral. Deixá-los pensar em soluções ajuda também a comprometerem-se com as mesmas (ex. “Só temos um computador e ambos querem usá-lo. Têm ideias para resolver este problema?”). Com os mais pequenos é útil inventar histórias ou usar fantoches (ex. “O que é o panda pode fazer quando o coelho lhe tira os brinquedos?”).
  • Evite proteger um dos filhos em demasia (muitas vezes o mais novo) ou atribuir demasiada responsabilidade (normalmente ao mais velho). Esse desequilíbrio pode gerar ressentimento e mais conflito.
  • Se não estava presente desde o inicio do conflito, e nenhum assumir a culpa, assuma que têm os dois a sua parte de culpa e aplique a mesma consequência (ex. “Aqui estão dois panos, um para cada um, podem limpar o sumo entornado”).
  • Defina regras concretas (ex. “não bater, não morder, não chamar nomes aos irmãos”). Incentive-os a usar as palavras para dizerem o que querem, precisam, gostam e não gostam (ex. “tenta dizer ao teu irmão: eu não gosto de ser empurrada”). Quanto melhor se expressarem verbalmente menos provável é serem fisicamente agressivos.
  • Usar o humor e distrações para interromper ou prevenir a escalada de alguns conflitos.
  • Se perceber que uma brincadeira está a ficar fora de controlo pode agir de forma preventiva (ex. “Brincar é quando os dois estão a gostar da brincadeira. Não me parece que o Diogo se esteja a divertir com esta brincadeira, pois não?”).
  • Use frases na primeira pessoa para expressar o que sente em relação às discussões (ex. ”Eu fico furiosa quando te vejo magoar o teu irmão”). Frases que comecem na segunda pessoa e que contenham crítica podem deixar o seu filho mais na defensiva (ex. “Mas o que é que se passa contigo? És um bruto! Não consegues parar de magoar o teu irmão?”).
  • Focar a atenção mais na vítima do que no agressor, de forma a não reforçar o comportamento negativo, mas expressar expectativas positivas em relação ao agressor (ex. “a tua irmã é perfeitamente capaz de falar contigo em vez de bater, depois conversamos com ela.”).
  • Estabelecer um programa de recompensas também pode ser uma boa ideia. Pode combinar atribuir um autocolante diário a cada um se não discutirem e se colaborarem e ao fim de x autocolantes a recompensa ser um programa em família ao gosto de todos (devem fazer a lista de possíveis recompensas em conjunto para garantir que é algo significativo e valorizado por todos).
  • Estabelecer consequências se forem agressivos um com o outro, responsabilizando-os pelo seu comportamento (pode haver um tempo de pausa para ambos e/ou uma consequência lógica, como por exemplo ninguém brincar com o brinquedo se não o sabem partilhar).
  • Com crianças mais velhas, também pode ser interessante fazer reuniões familiares, em que conversam, partilham opiniões e problemas e fazem planos para os resolver.
  • Há coisas que são de todos, mas também é importante que cada um tenha um espaço pessoal e coisas próprias. Criar a noção de privacidade e ensinar a respeitar o espaço e as coisas dos outros e a pedir autorização antes de usar. Encoraje experiências separadas quando possível, mas também a aceitação e compreensão do outro (ex. “Sabes que o Diogo fica assim quando não o deixas entrar no quarto porque tem uma grande admiração por ti e queria passar mais tempo contigo…achas que o podias incluir de alguma maneira?”).
  • Se tiver um filho que faz mais “queixinhas”, não deixe de o ouvir mas incentive-o a pensar em soluções e a resolver os problemas por si.
  • Mostre-lhes e explique-lhes como a relação de irmãos pode ser tão especial - de amor, proteção e companheirismo ao longo da vida, estendendo-se normalmente para lá dos pais (ex. aconteça o que acontecer vocês serão sempre irmãos, têm um ao outro. Já viram como o pai e o tio falam todos os dias ao telefone, vão ver o futebol juntos…? Vocês também podem partilhar coisas assim quando forem mais crescidos.”).

Referências

Alves, R. C. (2019). A Psicóloga dos Miúdos. Lisboa: Influência.

Reichlin, G., & Winkler, C. (2010). O guia de bolso dos pais. Lisboa: Editorial Bizâncio.

Webster-Stratton, C. (2010). Os anos incríveis: Guia de resolução de problemas para pais de crianças dos 2 aos 8 anos de idade. Braga: Psiquilíbrios Edições.

Joana Nunes Patrício

Joana Nunes Patrício

  • Licenciada em Psicologia pelo ISCTE-IUL
  • Mestre em Psicologia Social e das Organizações
  • Participação em projetos de investigação e intervenção social e comunitária na área da proteção a crianças e jovens em risco, na área da parentalidade, e na área da educação.
  • Membro da ISPCAN - International Society for the Prevention of Child Abuse and Neglect

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