Posso brincar contigo?

Posso brincar contigo?

A socialização de uma criança inicia-se no seu núcleo familiar. Para uma criança se sentir aberta para socializar, ela precisa antes, de se sentir segura e confortável, tanto no seu meio familiar como nos outros em que irá interagir, afinal, apenas com uma base segura ela se sentirá confiante para explorar o meio e comunicar com os outros. Para além da questão da segurança, a base da socialização passa também pela imitação. A criança irá aprender a desenvolver relações recíprocas tanto com os pais, como através da observação destes a interagir entre si, e com outros familiares e amigos.

A comunicação e a socialização devem ser estimuladas ao longo do crescimento. Quando são bebés esta estimulação passa essencialmente pela imitação de gestos e sons, por conversar com o bebé e na frente do bebé, e por trocas significativas de expressões, gestos e palavras. Através das experiências e ao longo do tempo é importante ensinar regras básicas de socialização e de convívio, como por exemplo, cumprimentar as pessoas. No entanto, este cumprimento não precisa constar de um abraço e um beijinho. Há muitas crianças que não são tão dadas e não se sentem tão confortáveis com o contacto físico. Para elas, seria melhor ensinar a acenar ou simplesmente a sorrir e dizer olá. O mesmo serve para atividades e encontros sociais. É muito importante incentivá-los, desde favorecer encontros da criança com outros familiares e amigos ou participar em grupos de atividades, como de desporto, música, arte, entre outros; no entanto, a criança não deve ser forçada, devendo partir dela a escolha de algo que lhe interesse. No caso de nenhuma atividade grupal interessar a criança, pode ser preciso incentivá-la a participar de algo que ela goste, mesmo que individualmente, mas que tenha a possibilidade de depois, com o tempo, e quando a criança estiver confiante das suas capacidades na área, entrar num grupo ou partilhar o seu interesse com os outros (ex. pode iniciar aulas de equitação individuais e, com o tempo, pode levá-la para assistir a pequenos campeonatos, aulas ou convívios em grupo). Em outros contextos, em que a criança se isole, pode ser necessário dar mais tempo à criança, promovendo pequenas aproximações a outras crianças individuais e só depois a um grande grupo. Poderá ser necessário assistir à brincadeira, ir incentivando partilhas (algo que é muito difícil para as crianças pequenas) e relatando pequenas regras de convivência. Com o tempo, e apenas quando estas estiverem mais próximas, poderá juntar mais alguma criança ou, apenas deixar as duas crianças, já com maior intimidade, a interagir noutro espaço ou noutro contexto.

É importante referir que os padrões de socialização das crianças também dependem da idade. Crianças de dois anos podem passar mais tempo a observar as outras crianças, a brincar isoladamente, ao lado umas das outras, mas sem interagir diretamente (brincadeira paralela). É normal que ocorram conflitos, especialmente ao partilhar brinquedos, uma vez que as crianças nesta fase ainda são muito egocêntricas e têm dificuldades em compreender as necessidades ou sentimentos dos outros. Além disso, podem não compreender que ao abrir mão de um brinquedo, este continuará a pertencer-lhes e ser-lhes-á devolvido. A partir dos 3 anos, as crianças começam a interessar-se mais pelas atividades e gostos de outras crianças, copiando-as e brincando com elas, mas ainda têm muita dificuldade em partilhar e compreender as vontades e necessidades dos outros enquanto diferentes das próprias. Aos 4 anos, as crianças passam a socializar melhor, porque sabem partilhar melhor e têm períodos de atenção mais longos e, aos 5 anos, começam a ser capazes de compreender melhor outros pontos de vista e começam a cooperar mais com outras crianças (ex. “tu vais buscar os baldes de areia e eu vou cavando o fosso”, “vais fazendo a papa e eu vou pondo os bebés na mesa”, etc.).

Algumas crianças têm mais dificuldades de socialização, podendo até ficar mais irritáveis em espaços que impliquem mais interação. Para algumas crianças, pode ser preciso treinar competências socioemocionais em casa ou num espaço seguro antes de investir na socialização com outras crianças noutros contextos. Por exemplo, os pais podem brincar com a criança com bonecos ou fantoches ensaiando diferentes situações sociais, de forma a que a criança se vá sentido cada vez mais capaz e confortável. É importante elogiar componentes como a capacidade da linguagem, a flexibilidade da criança, os seus gestos e comportamentos pró sociais e não rotular a criança. Ainda que considere a criança tímida, é essencial não comentar sobre a timidez da criança na frente dela, pois ela pode acabar por internalizar este rótulo e identificar-se, acomodando-se. Melhor será comentar apenas os comportamentos como momentâneos e temporários. Por exemplo dizer “hoje ela não está com muita vontade, mas outro dia ela brinca e conversa mais, ela adora brincar com legos”. Por fim, é importante verificar como está o estado emocional da criança. Se a criança evitar a socialização também por ansiedade, será preciso ajudá-la a pensar em pensamentos substitutos aos que lhe causam ansiedade, ajudando-a a identificá-los, questioná-los e substituí-los, assim como ensiná-la a realizar exercícios de relaxamento.

É preciso analisar as origens das dificuldades de socialização da criança: não interage por perturbações de desenvolvimento (ex. perturbação do espectro do autismo), por estar em um conflito emocional, por achar que não tem capacidades e será julgada/condenada por outras crianças (ex. ansiedade social), por estar demasiado aflita e preocupada com o afastamento dos pais (ex. ansiedade de separação), entre outros. Por fim, caso sinta necessidade, não hesite em consultar um profissional para melhor compreender a natureza da dificuldade da criança e consequentemente, melhor responder às suas necessidades.

Ficam aqui resumidos alguns pontos chave para promover a socialização:

  • Desde cedo, valorize as tentativas de comunicação e partilha das crianças, assim como aumente o seu repertório de expressões e de compreensão da linguagem e da comunicação: converse com a criança, imite os seus sons, expanda as suas vocalizações, use muita expressividade – tanto na variação de tom de voz como nas expressões faciais-, partilhe com ela sobre o seu dia-a-dia, envolvendo-a em atividades, assim como demonstre interesse pelas atividades da criança;
  • Dê atenção aos desejos e sentimentos da criança, reconhecendo-a e validando, mesmo que seja numa situação educativa/“corretiva”. Ex: “Eu entendo que estejas zangada por te tirarem o brinquedo, mas não se pode bater. Quando estiveres zangada, dizes que não gostaste e pedes o brinquedo de volta”.
  • Valorize e elogie a criança nas suas capacidades de socialização e nas suas iniciativas, demonstrando interesse pelas suas atividades, gostos e amizades que vai tecendo em outros contextos (na creche ou a passar o dia na casa de um amigo ou de outros familiares, etc.);
  • Respeite o temperamento e a postura da criança, não a obrigue a socializar nem a cumprimentar as pessoas de uma forma que para ela possa ser desconfortável;
  • Ensine regras de convivência social: como partilhar, pedir as coisas, expressar os seus sentimentos, esperar pela sua vez, e a interpretar situações e a postura dos outros (comportamento não- verbal, diferentes formas de compreender algo, entre outros). Pode também ensinar frases úteis para que a criança possa entrar em uma brincadeira: “Posso brincar contigo?”, “Posso ajudar-te?”, “Eu também quero fazer isso!”, “Podes mostrar-me onde é que estão os brinquedos?”, etc.;
  • Avisar previamente a criança de eventos sociais que irão ocorrer, assim ela poderá sentir-se mais segura, preparada e também cooperante;
  • Promova encontros sociais da criança com outras. Pode ser interessante criar uma rotina de saídas, com idas ao parque, encontros para brincar, aulas para mães/pais e filhos, idas a um centro de atividades e de desporto infantil, entre outros;
  • Enriqueça a vida da criança com aspetos sociais, podendo incluir desde role-plays, à leitura de livros, realização de teatrinhos, etc;
  • Diante de dificuldades de socialização, não categorizar ou rotular a criança (“ela é tímida”), mas apenas comentar comportamentos e estes enquanto temporários (“hoje ela está mais cansada, outro dia pode estar mais animada para conversar”);
  • Conhecer os ambientes em que a criança circula e saber se ela se sente bem e confortável nos mesmos;
  • Ter expectativas de socialização adequadas à idade e capacidades da criança.
Ana Lúcia Senise

Ana Lúcia Senise

  • Licenciada em Psicologia (Universidade de São Paulo)
  • Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (Universidade Católica Portuguesa de Lisboa)
  • Psicóloga estagiária na associação Caminhos da Infância

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