Como lidar com um diagnóstico ou dificuldade de um filho

Como lidar com um diagnóstico ou dificuldade de um filho

Enquanto pais, é natural que se criem expectativas para os filhos, que se deseje que sejam saudáveis e felizes. Com o passar do tempo, os pais acabam por ver-se na necessidade de ir ajustando as suas expectativas conforme a realidade, afinal, a criança pode nascer com um temperamento próprio que não coincide com o seu ou com o que esperava, ou vir a ter dificuldades, como por exemplo, para dormir e para comer, que acabam por desafiar os limites da paciência. Mas e quando as dificuldades do seu filho excedem aquelas da grande maioria? O que fazer ao deparar-se com a suspeita de um diagnóstico, como de perturbação do espectro do autismo, de déficit de atenção e hiperatividade, de comportamento de oposição e desafio, de perturbação da regulação do processamento sensorial, entre outros? O momento em que se ouve um diagnóstico pode ser difícil e confuso, pode ter um grande impacto emocional e arrasar expectativas, afinal, uma grande modificação poderá dar-se na vida familiar e na do seu filho. Independentemente do diagnóstico, o que fazer ao deparar-se com estas dificuldades acrescidas, com a identificação de sinais de alerta, sejam eles físicos ou comportamentais? Quando há uma suspeita de que o seu filho não ouve bem, de que tem uma dificuldade na linguagem, de que tem uma dificuldade nas relações sociais…

A aceitação e a eficácia na forma de lidar com a situação e, consequentemente, garantir o melhor desenvolvimento e bem-estar da criança dentro daquilo que lhe é possível será determinado por diferentes fatores, como: a compreensão do diagnóstico e do seu significado, a causa percecionada da dificuldade, a aceitação da dimensão da dificuldade (ex. leve, grave), as consequências da dificuldade e a possibilidade de cura e/ou controlo da mesma.

Quanto mais realisticamente se procurar compreender a situação e recorrer a uma rede de apoio, melhor poderá ser o ajustamento da criança e da família. Quanto mais cedo procurar ajuda, maiores as possibilidades de garantir um melhor desenvolvimento da criança. Neste processo é bom perguntar-se, o que ter um filho, com esta dificuldade, representa para mim? Pode ser preciso, nesta altura, procurar ajuda de um profissional da psicologia para auxiliar na elaboração e processamento dessa situação, realizar o luto e o reajuste de anteriores expectativas e desmistificar crenças distorcidas (por exemplo atribuir a culpa a si ou a outro progenitor, crenças que maximizem ou minimizem a importância da situação…) e tabus.

Embora algumas expectativas tenham de ser ajustadas no caso de a criança ter alguma perturbação, é importante ressaltar que ela pode ter uma vida feliz e funcional e para isso alguns ajustes terão de ser realizados e quanto mais cedo, melhor. É preciso descobrir uma nova abordagem e dinâmicas para que seja encontrado um equilíbrio entre as necessidades tanto das crianças, como dos pais e do ambiente e neste processo, toda a família deve estar unida e aliada neste propósito, e a articulação com outros cuidadores é também essencial (seja na escola ou família alargada). As perturbações do desenvolvimento representam desvios da trajetória normativa, o que requer um ajuste da criança ao seu ambiente e do ambiente à criança para que sejam minimizados aspetos negativos que possam lhe trazer sofrimento e maximizados aspetos positivos que façam com que ela se desenvolva com bem-estar e dentro das suas qualidades singulares.

Poderá ser preciso recorrer a ajuda e terapias, a profissionais de diferentes áreas, e, em alguns casos, à medicação. Poderá ser necessário treinar certas competências de comunicação e socialização, de regulação emocional, integração sensorial, ou outras consoante o caso. Apesar de existirem recursos terapêuticos e inúmeras intervenções conhecidas, estas temáticas, assim como outras da área da saúde mental, acabam por levantar certos tabus, afinal, ainda hoje existe algum estigma em torno da necessidade de recorrer à psicologia ou à psiquiatria. Na verdade, a saúde mental é tão importante quanto a física e assim como é natural ir ao pediatra, verificar o crescimento, a alimentação, o sono e o desenvolvimento da criança, pode ser preciso levar a criança a um psicólogo e/ou psiquiatra para que se desenvolva com bem-estar e com um melhor ajustamento ao nível da saúde mental. É importante desmistificar a saúde mental e o apoio psicológico ou de terapeutas ocupacionais, da fala, ou outros. Recorrer a estes profissionais é tão natural e válido como recorrer a profissionais da saúde física. Recorrer a estes profissionais atempadamente pode ser uma mais-valia não só para a criança como para a família.

Às vezes, encarar o facto com mais naturalidade ajuda, tal qual uma criança com um problema postural pode precisar de ir ao ortopedista ou fisioterapeuta, uma criança com dificuldades de socialização e comunicação, típicos de uma perturbação do espectro do autismo, pode precisar treinar as suas competências com um psicólogo. Além disso, neste processo os próprios pais podem beneficiar de realizar terapia, para se ajustarem à nova realidade e também para terem um espaço privilegiado para falarem com um técnico, conhecedor da saúde mental e do funcionamento psicológico sobre qualquer assunto sem o receio de serem julgados. Muitas vezes, o psicólogo não precisa ser procurado em momentos de crise, ou quando a situação já está incontrolável e insuportável. Pode ser procurado quando começa a ter algumas questões e pequenas dificuldades ou inquietações, ou até quando tudo parece bem, apenas com vista à prevenção e autoconhecimento. Afinal, conhecermos os nossos sonhos, medos, expectativas e limitações é essencial para nos sabermos posicionar melhor e tomar decisões responsáveis, com liberdade e com maior probabilidade de nos trazerem satisfação na vida. Nós somos seres complexos, biopsicossociais e quanto mais tivermos autoconhecimento e conhecimento sobre a realidade singular de uma criança, melhor se encontrará uma rede de profissionais e recursos para lhe responder da melhor forma possível. Um diagnóstico ou a identificação de uma dificuldade acrescida não tem de ser encarado como um fim, mas pode implicar um recomeço, um reescrever.

Pontos chave:

  1. Normalize o acompanhamento da saúde mental de seu filho, sendo esta tão importante quanto o acompanhamento da sua saúde física e desenvolvimento.
  2. Esteja atento a sinais de alerta e, sempre que preciso, partilhe as suas dúvidas e preocupações com outros cuidadores da criança, como educadoras e o pediatra. Se necessário, procure um profissional para realizar um despiste de diagnóstico.
  3. Diante de um diagnóstico, procure intervir o mais cedo possível, procurando uma rede de apoio tanto para si, como para o seu filho.
  4. Informe-se sobre as melhores terapias ajustadas ao seu filho, bem como das modificações necessárias no ambiente familiar e em outros contextos pertencentes ao quotidiano de seu filho.
Ana Lúcia Senise

Ana Lúcia Senise

  • Licenciada em Psicologia (Universidade de São Paulo)
  • Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (Universidade Católica Portuguesa de Lisboa)
  • Psicóloga estagiária na associação Caminhos da Infância

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