Da dependência à autonomia

Da dependência à autonomia

No geral, todos os pais desejam que os seus filhos cresçam felizes e saudáveis e que se desenvolvam para um dia se tornarem adultos autónomos e realizados. À medida que a criança vai crescendo, vai conquistando o seu espaço e aprendendo novas capacidades, autonomizando-se em diferentes domínios: na alimentação ocorre o desmame e a posterior utilização de talheres, na higiene o desfralde e uso da sanita, na locomoção ocorrem os primeiros passos até às capacidades de subir escadas, correr e saltar, nas questões emocionais vão aprendendo a regular-se, entre outros. É um longo percurso até que os pequenos venham a tornar-se adultos independentes e responsáveis e o papel dos pais é essencial na promoção desta independência, algo que não surge apenas com a idade, mas que deve ser estimulado e ensinado.

Depois da confiança como conquista essencial no primeiro ano e meio de vida, surge a autonomia como o desafio seguinte. A criança vai adquirindo capacidades que lhe vão permitindo ser cada vez mais autónoma e deve ser apoiada e incentivada nessa conquista de autonomia. Nesta fase, a criança começa a não querer ajuda, a querer fazer coisas sozinha, a procurar a sua independência, começa a haver uma mudança do controlo externo para o auto-controlo, uma afirmação do eu, das suas vontades. Uma criança cuja autonomia não é permitida, nem incentivada, que é constantemente repreendida ou reprimida nas suas tentativas, que cresça sem experiências de autonomia pode desenvolver mais vergonha, dúvida, insegurança, e tornar-se um adulto ansioso, inseguro e sem iniciativa. Por outro lado, uma autonomia em excesso e desajustada à fase de desenvolvimento da criança, também pode ser prejudicial na estruturação e segurança da criança.

As experiências de sucesso, em que a criança se sente capaz de fazer coisas sozinha, contribuem para a construção da sua autoestima e autoeficácia. As crianças têm de experienciar sucesso para confiar nas suas capacidades. É muito importante incentivar os movimentos de autonomização da criança, ensinando novas habilidades, elogiando e apoiando novas conquistas, bem como permitindo que ela faça sozinha aquilo que já aprendeu, ainda que, por vezes, possa ser difícil esperar que ela realize certas tarefas. Afinal, é mais prático pegar a criança no colo e subir as escadas com ela do que subir pacientemente pela escada ao seu lado, degrau por degrau, assim como é mais fácil guardar os seus brinquedos rapidamente do que ensinar a lógica da arrumação… Outras vezes, porém, a dificuldade em promover a autonomia não se centra em questões práticas, mas numa superproteção da criança. Embora as crianças possam ser muito pequenas, na primeira infância, elas já são capazes de realizar diversas tarefas e devem ser-lhes concedidas experiências para tomarem iniciativas e arriscarem. A paciência e a orientação são aqui regras de ouro; as crianças vão ter de tentar e errar muitas vezes, outras podem acabar por se magoar (ex. cair ao tentar escalar algo) e ainda, após adquirida uma capacidade, terão de repeti-la muitas vezes até que ela seja realizada com destreza. A experiência do erro é essencial, muitas vezes é através do erro que vem a persistência e a aprendizagem, e também a resiliência, afinal, não é porque se errou que não vale a pena continuar a tentar ou que a criança não tem o seu valor. Assim é muito importante que os pais valorizem os esforços da criança, mesmo quando ela não atingir certa competência. Recriminar ou criticar a criança, além de a pressionar, pode fazer com que se sinta humilhada, e com que acabe por regredir, não confiando em si mesma e na sua capacidade para a autonomia.

A promoção da autonomia das crianças também passa por lhes dar suporte emocional, de modo que os pais atuem enquanto aliados para as suas conquistas e como fontes de segurança e suporte quando estas necessitarem de amparo e de orientações. Aqui também é essencial ressaltar que apesar da afetividade, os pais devem manter a firmeza quanto àquilo que é esperado e no cumprimento de regras. Dar espaço à autonomia não é permitir tudo sem limites.

Há ainda outro fator interessante de ser explorado neste tema, que são os possíveis sentimentos ambíguos dos pais em relação à autonomização da criança. Embora, por um lado, possam ficar felizes a ver o filho crescer e desprender-se gradualmente, por outro lado, podem sentir a dor da separação, vivenciando o crescimento do filho como uma perda. Alguns pais podem recear ficar sozinhos, deixar de ser necessários ou perder o controlo. Diante destes conflitos, pode ser necessário procurar ajuda para refletir sobre estas questões.

Seguem abaixo algumas dicas de promoção da autonomia:

  • A autonomia deve ser adquirida de forma gradual e ajustada à fase de desenvolvimento da criança;
  • Vá ensinando novas capacidades, desafiando a criança a ir mais além, e orientando-a sempre que necessário;
  • Promova a exploração de diferentes contextos e relações com outras crianças e familiares;
  • Deixe o seu filho tentar fazer as coisas por si, e não faça por ele aquilo que ele já é capaz;
  • Deixe o seu filho errar e aprender com o erro e que ele o compreenda como algo natural;
  • Atribua tarefas e responsabilidades ajustadas à idade. São momentos de promoção de autonomia, mas também de aprendizagem. Consoante as características das crianças, os mais pequenos podem ajudar a pôr a roupa na máquina, a apanhar a roupa, dar e guardar as molas da roupa, a limpar o pó, a pôr a mesa, a levar o lixo, a preparar as refeições ou ir buscar alguns alimentos, arrumar…
  • Comemore as conquistas do seu filho, utilizando elogios específicos (ex. “uau, comeste tudo sozinha com a colher!” ao invés de “que linda menina”), assim como elogios que reflitam valores que considere importantes (ex. “Reparei na tua paciência e determinação enquanto estavas a construir o teu castelo” ao invés de “Bom trabalho!”);
  • Permita escolhas (ex. que história quer ler, que roupa quer vestir, etc.), mas limitadas a poucas opções sobretudo nos mais novos;
  • Incentive o seu filho a expressar os seus pensamentos e sentimentos ao invés de reagir prontamente aos choramingos;
  • Explique à criança as consequências das suas ações, favorecendo assim a internalização de regras e do senso de responsabilidade;
  • Ajude a criança a refletir diante de diferentes situações, a fazer escolhas e a resolver problemas (ex. “O que vai acontecer se lhe arrancares o brinquedo da mão? E se pedires ao teu amigo para brincar um pouco com o brinquedo?”);
  • Descubra os interesses e gostos da criança e a ajude-a a explorar os mesmos;
  • Pode ser interessante realizar reuniões em família, em que todos tenham oportunidade de participar, expressando o que pensam e sentem, fazendo planos e tomando decisões em conjunto.
Ana Lúcia Senise

Ana Lúcia Senise

  • Licenciada em Psicologia (Universidade de São Paulo)
  • Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (Universidade Católica Portuguesa de Lisboa)
  • Psicóloga estagiária na associação Caminhos da Infância

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