Como lidar com os medos dos meus filhos?

Como lidar com os medos dos meus filhos?

O que é?

O medo é uma emoção inata e essencial em todos os seres humanos, tem uma função protetora que nos ajuda a evitar e a fugir de situações perigosas. Pode estar associado a diferentes contextos ou objetos. O medo, como todas as emoções, tem três componentes:

  1. a nível neurofisiológico, há a ativação de respostas biológicas que visam preparar o indivíduo para a luta ou para a fuga (ex. batimento cardíaco acelerado, respiração acelerada, libertação de hormonas como a adrenalina, tremer, etc.).
  2. a nível comportamental, o medo expressa-se pelas ações de luta ou fuga, assim como pelas expressões faciais (ex. expressões faciais de espanto, gritar, bater, fugir/evitar uma situação);
  3. a nível cognitivo, há o processamento da informação que permite reconhecer e nomear o que se sente (ex. expressar verbalmente “estou com medo!”, pedir para deixar uma luz de presença por ter medo do escuro, etc.).

Para identificar e ajudar as crianças a gerir os seus medos, é importante ter em consideração o seu nível de desenvolvimento. Algumas crianças podem verbalizar o seu objeto de medo, mas as crianças mais pequenas que ainda não têm este nível de compreensão ou suficientes competências ao nível da linguagem, manifestarão a sua emoção sobretudo a nível fisiológico e comportamental, como por exemplo com uma grande ansiedade e birras. Outras vezes, como as crianças não têm os recursos suficientes para elaboras as suas emoções, estas podem ser somatizadas, isto é, o medo pode, por exemplo, apresentar-se também por dores de cabeça, dores de barriga, entre outros.

É preciso estar atento ao comportamento e sintomas da criança e tentar detetar que estímulos podem estar a desencadear estes comportamentos e/ou sintomas.

Como identificar?

Algumas vezes os medos são facilmente identificados, por exemplo, quando a criança se mostra aflita diante de cães depois de ter sido atacada por um; no entanto, outras vezes, a natureza do medo da criança pode ser mais difícil de perceber (ex. começa a ter medo de ficar no quarto sozinha sem saber explicar porquê) ou mais simbólica, exigindo uma interpretação para a sua compreensão ou uma observação cautelosa de suas brincadeiras, uma vez que ao brincar, as crianças encenam situações angustiantes, visando lidar com medos e ansiedades que de outra forma não seriam capazes. Há também outro medo, comum nos primeiros anos, que é o medo de pesadelos. Há um pico na ocorrência de pesadelos (em especial, monstros e homens maus que os perseguem) nas crianças com quatro a seis anos, fase em que ainda é difícil discernir os pensamentos e fantasias da realidade.

O que fazer?

Pode ser importante ajudar o seu filho a encarar a situação, uma vez que o evitamento só piorará o caso. Ao evitar a situação há uma sensação de alivio, que acaba por ser reforçadora, sendo provável que no futuro continue assim a evitar a situação que receia. No entanto, a exposição ao estímulo ou contexto temido deve ser feita gradualmente e com cuidado, para também não gerar uma resposta emocional muito intensa de medo e stress.

É importante que a criança perceba que o medo não é mau, até pode ser bom, pode ser nosso amigo, porque nos protege de perigos, mas há outros medos que não são nossos amigos, que nos atrapalham, são “mentirosos” e que devem ser enfrentados, com calma e coragem, para ser vencidos.

  1. Seja Paciente e Tranquilize-o: Um dos aspetos mais importantes é transmitir ao seu filho a confiança na capacidade dele de enfrentar a situação, sendo positivo e encorajando-o, para além de lhe transmitir a certeza de que a situação não é realmente perigosa (se de facto não for). Não o envergonhe, nem repreenda por ter estes medos. Se o medo for de um contexto específico, como a escola, é necessário perceber se a criança não está a sofrer bullying e então intervir junto aos professores e oferecendo estratégias para o seu filho melhor confrontar a situação.
  2. Elogie o comportamento corajoso do seu filho: Sempre que o seu filho enfrentar uma situação desconfortável, dirija-lhe elogios pela sua coragem. Por exemplo: “Estás a ficar um rapaz muito valente! Foste muito corajoso hoje no consultório, estou muito orgulhoso”. É preciso promover e reforçar comportamentos em que seu filho queira explorar, arriscar-se (desde que seja algo seguro), fazer novos amigos ou lidar com situações autonomamente.
  3. Faça uma tabela de autocolantes: Uma tabela de autocolantes ou algum outro sistema ou atividade de recompensas, por exemplo, juntar um número de autocolantes por comportamentos corajosos para se poder ganhar uma recompensa, pode facilitar muito a superação de medos do seu filho.
  4. Ignore as birras e reduza a atenção às expressões psicossomáticas dos medos: As birras e expressões psicossomáticas são meios de evitar a situação temida e logo deve-se buscar um equilíbrio entre apoiar, consolar e não dar demasiada atenção a estas expressões de medo. Por exemplo: ao deixar o seu filho no jardim de infância “Eu sei que vais gostar da escolinha hoje (a criança começa a birra). Olha, está ali o Bruno, e está com aquele camião que tu gostas (distração). Eu venho-te buscar depois do lanche e quero saber o que fizeste hoje (depois afaste-se sem dar mais atenção à birra)”.
  5. Proporcione às crianças rotinas previsíveis de separação e reencontro: A estabilidade nas rotinas ajuda as crianças a sentirem-se mais seguras e com maior controlo da situação. É importante antecipar os momentos de separação (ex. “ O Pai vai sair daqui a 15 minutos, até lá, podemos brincar um pouco”) e também assegurar o reencontro (ex. “volto na hora de jantar”). É importante despedir-se sempre e também mostrar entusiasmo e alegria ao reencontrar o seu filho. Quando possível, interaja com as pessoas que passam o dia com o seu filho, assim ele se sentirá mais à vontade naquele cenário.
  6. Dê o exemplo e não se mostre receoso: Mesmo quando tiver algum receio procure agir com confiança à frente do seu filho. As crianças aprendem muito pela observação de comportamentos e facilmente absorvem os seus medos. A mesma coisa se aplica às suas próprias relações, sejam conjugais ou com outros membros da família. É preciso manter um ambiente de harmonia familiar e evitar discussões complicadas à frente de seu filho, pois podem aumentar a sua insegurança.
  7. Reforce a exposição: Se o seu filho tem medo de determinada situação (ex: medo de cães), experimente expô-lo a essas situações em pequenas doses, reforçando-o de cada vez. Por exemplo, comece por ver filmes de cães em que estes sejam amorosos, depois, ao passear com o seu filho na rua, comente sobre como outras crianças fazem festas nos cães e parecem contentes, depois procure um amigo que tenha um cão pequeno e muito meigo para estar no mesmo ambiente que o seu filho, faça festas no cão, até que gradualmente, por iniciativa própria (nunca forçar ou pedir à criança para se aproximar daquilo que teme) o seu filho se aproxime para fazer festas, tendo percebido, pelas situações anteriores, que o seu medo não era compartilhado por outros e que na verdade poderia ter boas experiências com os cães. Depois, elogie o seu filho por ter conseguido aproximar-se do cão, apesar dos receios.
  8. Ensine-lhe o auto-diálogo positivo: Ensine algumas autoafirmações ao seu filho, para o ajudar a lidar com seus medos. Por exemplo: “Eu sou valente e sou capaz de fazer isto”, “Eu sou corajosa, vou brincar, cantar, lanchar e depois a mãe vem-me buscar”.
  9. Exercícios de imagens positivas e descontração: Ensine técnicas de respiração calmantes ao seu filho (inspirar devagar pelo nariz e expirar pela boca) e a estratégia de visualizar imagens positivas em sua mente (ex. um local e situação agradável como a praia, o seu “lugar feliz”). Pode também ajudar a criança a encontrar outras estratégias de autorregulação, como por exemplo, apertar um peluche que goste.
  10. Recursos educativos: Existem vários livros, jogos e atividades que ensinam as crianças a identificar, compreender e lidar com as emoções, entre elas o medo (ex. “Eu tenho medo, Norberto”, “O livro com medo”, “Medo do quê?”, “Não tenha medo, Lobo Mau!”, “15 histórias de meter medo para perder o medo”, “O Cuquedo” “O monstro das cores”, “O monstro das cores vai à escola”). Use um recurso adequado à idade do seu filho.
  11. Lidar com os pesadelos: As crianças têm dificuldade em discernir as suas fantasias e sonhos da realidade, de modo que os pesadelos são para elas muito assustadores. Tendo isto em consideração, procure acalmar a criança e assegurar que está tudo bem, não a ridicularizando nem desvalorizando o que sente. Em determinados momentos, pode ajudar a criança a desconstruir os medos, por exemplo, imagine que a criança tem medo de um monstro, peça-lhe para o descrever e desenhar e depois adicionem elementos de modo que ele se torne engraçado e não ameaçador (ex., uma maquilhagem engraçada, um nariz de palhaço, patins coloridos, uma roupa engraçada). Outra estratégia é aproveitar a imaginação das crianças, dizendo-lhes que elas podem ter poderes nos sonhos, como fazer as coisas desparecer ou encolher. Ou dar-lhe um sentido de controlo, por exemplo ter uma lanterna no quarto, uma luzinha que pode acender de noite, um brinquedo ou objeto de conforto com o qual possa dormir. Caso a criança vá ter ao seu quarto quando tiver um pesadelo, é essencial levá-la de volta ao seu quarto e confortá-la lá. Acenda a luz, conforte o seu filho, explique que toda a gente tem sonhos assustadores de vez em quando, mas que não são verdadeiros, ajude-o a pensar em coisas boas, e fique com ele até estar mais tranquilo e depois saia. Assim ele percebe que tem apoio, mas que é capaz de enfrentar o seu medo sozinho.

Por fim, é essencial destacar, que se estiver com muita dificuldade para gerir o medo do seu filho, e se este for muito intenso, com impacto na sua aprendizagem, atenção, bem-estar e socialização a melhor coisa a fazer é procurar ajuda junto de um psicólogo e/ou psicoterapeuta infantil.

Referências

Moreira, P., & Zapruder. (2009). Emoções e Sentimentos Ilustrados: Para Trabalhar com Crianças entre os 4 e os 10 anos. Porto: Porto Editora. Reichlin, G. & Winker, C. (2010). O guia de bolso dos pais. Lisboa: Editorial Bizâncio. Webster-Stratton, C. (2010). Os Anos Incríveis: Guia de resolução de problemas para pais de crianças dos 2 aos 8 anos de idade. Braga: Psiquilibrios Edições.

Ana Lúcia Senise

Ana Lúcia Senise

  • Licenciada em Psicologia (Universidade de São Paulo)
  • Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (Universidade Católica Portuguesa de Lisboa)
  • Psicóloga estagiária na associação Caminhos da Infância

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